CORTESANIAS #1 – MORALIDADES

Amante entra-me casa adentro com arroubos homicidas. Aos gritos, assusta-me a criada, que foge para a cozinha. Ouço a barulheira do boudoir, e desço as escadas já irritada, encontrando-o na saleta, indo de um lado a outro em frente ao piano.
_ Veja que assim me gastas o tapete, homem! Que te amofina?
Rosto vermelho, expressão descomposta, ele responde ainda aos gritos:
_ Um pulha corteja-me a mulher às minhas vistas!
_ E gritas assim para que meus vizinhos o saibam?
Ao ouvir isso, estacou enfim, pondo os cabelos em desordem com as mãos agitadas, enquanto repetia, mais baixo, vários “pulhas” e “calhordas”.
_ Mas por que o permites? – perguntei quando vi que se acalmara um tanto.
_ Devo-lhe até o último ceitil – ele retrucou agoniado, sentando-se – Tenho com o canalha promissórias que não poderia pagar nem por milagre…
_ Oras, dívidas se pagam dum jeito, ora doutro; eu mesma pago assim meus débitos…
_ Mas tu és… – ele principiou agastado, mas logo se calou, enquanto eu me ria de seus pudores.
_ Ela também, meu caro, creias-me; só temos contratos diferentes; o dela celebrado em cartório, o meu na alcova… E com vantagens inequívocas de minha parte: dos homens, fico apenas com o dinheiro e a companhia entre os lençóis, nunca pela casa, a enervar-me os dias…
Vi-o então empalidecer, chocado, mas prossegui:
_ Digo-te mais: logo dispenso os amigos que deixam de me convir, assim como ela também fará contigo caso hajas estupidamente…
_ Mas que queres que eu faça? Que seja corneado em minha própria casa, diante de meus amigos? Que permita à minha honra ser enxovalhada pela cidade? Que…
_ És demasiado dramático para alguém que deve tanto, Gaston – interrompi-o aos risos – Ninguém pretende que aceites tal degradação, a começar por tua própria esposa. O problema está nas vistas; faça tua mulher contê-lo nas aparências, exigir dele uma postura diante de ti e dos outros, e obter do pulha mais uns tantos benefícios por promessas insinuadas. A questão não é a transação, meu amigo, e sim os juros do negócio…
Ao vê-lo engasgar com uma resposta, sussurrei que apenas pensasse no assunto, enquanto ajoelhei-me e abri-lhe a braguilha, pronta a animá-lo…

Madame Bavard
junho de 1861
heterônimo de Leandro Ciccone