NAUS

Da ponta de Sagres, diante do mar bravio

Lançou-se então a ambição solene:

Alcançar os limites de míticas terras

Arrostar os perigos de ignotos oceanos.

 

Diminutos navios de múltiplos velames

Perdidos na imensidão do Mar Tenebroso

Na cabotagem d’África a aprestar suas artes

– marujos e cruzados, mascates e artilheiros.

 

Louca aventura a revelar novos mundos

Orbes de lucros e fés ascendentes

Navegadores de audácias, cartógrafos de medos

– híbrido de insensatos e desbravadores.

 

Metáfora dos oceanos que se abrem

Aos Povos e aos Homens;

Seduções do Eterno Desconhecido

Na experiência da vida – e do tempo.

 

Que nem mesmo o medo

Possa impedir a jornada.

Naus se fazem para enfrentar o mar

– não para se proteger no cais.

 
imagem NAUS

Leandro Gonsales Ciccone

05 de fevereiro de 2018

 

– para Nathan Jean –

JAZIGOS

Transeunte distraído em meio às lápides arruinadas

– promessas de amores e lembranças, há muito esquecidas –

Cuides que não tropeces em expostas ossadas

Restolhos de corpos e vidas decompostas, há muito perdidas.

 

Apraza aos Céus que teu olfato não se apure nessas alamedas sombrias

Em meio aos odores pútridos que emanam das covas violadas

– das virações pestilentas de carnes e peles outrora macias

Perecíveis invólucros de espíritos e existências condenadas.

 

Protejas o nariz com um lenço enquanto teus passos se tornam trôpegos

Enfim perturbado pelos miasmas nauseabundos

Desses asquerosos legados dos que se foram ao Outro Mundo.

 

Resguarda-te e respires antes num só fôlego

Pois dos jazigos dos corações humanos hás que te proteger

Enquanto ladeias as nefandas valas de almas a apodrecer.

 

imagem JAZIGOS
sketch of KARL SIMON (2009)

 

 

 

Lucas de Paiva Filho

02 de novembro de 1932

 

(Leandro Gonsales Ciccone)

SOMBRAS

Todas as coisas sob o Sol têm sua sombra.

.

Versão distorcida, acinzentada,

Reduzida, amortalhada,

Corrompida, dessangrada,

De sua própria natureza.

.

Tantos caminham com os olhos baixos.

Corpos curvados, almas sombrias

Enxergando do vasto mundo

Tão-somente seus reflexos pálidos

Feitos de ausência – e não de essência.

.

Toda sombra nasce de uma luz.

.

Astro ou lâmpada, lanterna ou fogueira,

Oblíqua incidência de disforme efeito.

Disfarce involuntário do caráter

Farsa acidental da óptica – e do olhar.

.

Infelizes daqueles, contudo,

Que fixados nessas sombras

Olhos postos no chão

Não forem capazes de estender a visão

Para além da aparência, da luminescência

– para as coisas em si.

Leandro Gonsales Ciccone

02 de fevereiro de 2018

para João Paulo Janeiro