Quem nas brumas da simplicidade se esconde
– o rústico, o simples, um mero carteiro
De súbito se depara com percepções desconhecidas
Reveladas a si ao passo que as entregas distribuía
.
E o pobre observava, extasiado,
O valor das palavras para a alma da mulher
– palavras que ele, enamorado, ia ardente a buscar
Na crença humilde de que, por elas, ela o pudesse querer
.
Um homem tão trivial – deveras mesmo comum
Com umas poucas palavras, bem dispostas, bem arranjadas
Enlevava, fascinava, entontecia
Com rima, sons que se repetem, ânsia que angustia
.
E o carteiro não compreendia…
.
Mas, defronte ao mar, eis que percebe
Do poeta amigo o valioso segredo
Na cadência das palavras, em seu ritmo e musicalidade
Os compassos da conquista – ei-los enfim!
.
O poeta, este vê (como ele) o mundo
Mas com olhos que não têm cor, nem se podem ver
Olhos que moram no íntimo, no mais profundo
Olhos que são luz, essência, o próprio ser
.
E o carteiro compreende enfim…
.
Pois estes olhos – os olhos d’alma – todos os têm
Têm-nos os poetas, os carteiros, os garis, os pregoeiros
Os taverneiros, os malandros – e mesmo os cegos!
.
Eis o poeta, que dos versos tira seu pão
E o carteiro, que das missivas obtém o seu
– e imperceptível troca entre eles se dá
.
O carteiro abre seus olhos d’alma
Contempla o mundo (enfim) como poesia
Capaz enfim de não só enxergar, mas ver,
Enquanto o poeta redescobre a si mesmo
Como mensageiro de insuspeitadas dimensões
Capaz de partilhar seu olhar, seu perceber.
.
Cláudio de Lima
novembro de 2023
heterônimo de Leandro Ciccone
junho de 1996