ESGOTOS

Podridões imprevistas surgem à espreita
Brotando das trevas nas esquinas da vida.

Sórdidos seres armam emboscadas
Impondo sobre nós suas mãos viscosas
– suas invejas reprimidas, suas taras frustradas,
seus delírios esquizofrênicos, suas raivas inexplicadas.

Fétidas cloacas a despejar seu lodo
Em palavras jorradas de suas bocas torpes
– esbravejadas em perorações biliosas
ou sussurradas em boatarias sibilinas.

Pútridas emanações de asco e pestilência
A erguer-se dos monturos da maledicência
Despejando suas intrigas e mentiras infectas
Sobre nossas vidas – visando nossas almas.

Que todos os deuses e virtudes deles nos protejam
Que a água corrente e o sol luminoso deles nos purifiquem
Que a percepção e a razão deles nos afastem

E que esses seres nefastos sejam prisioneiros de suas profundezas sombrias.
Podridão moral é tipo grave de degradação
Sem tolerância ou diálogo – nem compreensão.

Leandro Gonsales Ciccone

09 de fevereiro de 2019 (2018)

PROMESSAS

Quando enfim percebi que te amava
Tive o susto das grandes surpresas
E a adrenalina dos grandes perigos.
Duvidei ainda, inquieto, temeroso,
Tentando racionalizar o inexplicável
Procurando escapar do imponderável.

Mas nada pude.
E então tudo aceitei:
Derrota, angústia, fragilidade, euforia…

E a mim mesmo prometi
Seguir ao teu lado, amparando teus passos
Acompanhar teus caminhos, apoiando teus sonhos
Combater teus monstros, enfrentando teus medos
Afastar tua tristeza, ouvindo tuas queixas
Corrigir teus rumos, apontando teus erros
Amparar tua vontade, renovando tuas forças…

E tantas coisas mais fui prometendo a mim mesmo
A cada conversa, a cada momento que passamos juntos
Que logo percebi o quanto havias mudado em mim
Que minha energia, meu tempo, minha vida
Nada mais me pertencia
Sem que também me pertencesses
Sem que talvez nem percebesses
Esse amor que me inspiravas.

Mas a dúvida foi incapaz de romper o afeto.
Segui contigo, arrebatado, decidido
Esperando que pudesses descobrir um dia
Que também me amavas e nem sabias…

Leandro Ciccone
maio de 2023

EXPECTATIVAS

Quão cruel pode ser a angústia
Dessa percepção falha da oportunidade;
Do momento de insistir ou desistir
Da incerteza de esperar ou aceitar;
Tempo de decidir cada passo sob o sol.

Quão ansiosa pode ser a busca
Dessa convicção fugidia do afeto;
Do carinho de lembrança efêmera
Do descaso de memória longeva;
Tempo de incertezas perenes sob o sol.

Quão breve pode ser o equilíbrio
Dessa disparidade de anseios numa alma;
Do ímpeto de amar ou abandonar
Da demanda por sonhar ou esquecer;
Tempo de sofrer em oculto sob o sol.

Comovente esperança vã
Da velha que ainda tece
Com olhos baços e dedos ossudos
O véu nupcial das bodas que jamais virão…

Leandro Ciccone
maio de 2023

SINFONIA

Mais uma semana desgastante chega ao fim. Energias drenadas no choque diário com as insanidades (e mediocridades, e hostilidades, e falsidades) de um mundo cada vez mais sombrio. Hora do corpo e da mente exaustos se acomodarem na poltrona da sala de concertos. Uma vez mais.

A primeira peça do programa em nada resgata a paz de espírito. No palco, as dissonâncias de uma modernidade que se pretende inovadora sendo apenas inepta; na plateia, o cerco por aqueles que transformam um espaço de cultura num evento social. Nas poltronas à frente, uma mãe entediada no celular e uma criança que se remexe o tempo todo; nas poltronas atrás, um pseudoentendido sussurra comentários ao amigo a cada breve intervalo entre movimentos. A melhor companhia é a senhorinha que cochila silenciosamente na poltrona ao lado. Cenário infernal, mas felizmente raro – azares de uma assinatura com assentos flexíveis… A sinfonia depois do intervalo é o verdadeiro motivo da vinda, e por ela se tolera o desconforto.

E então o milagre orquestral acontece outra vez. A sinfonia de um mestre nas mãos do regente e de dezenas de músicos, a celebração de um talento de século e meio, de uma época em que música era arte, não discurso. O lirismo das cordas, a leveza dos sopros, a grandiloquência dos metais; as notas que se sucedem, os movimentos que se conectam, e o espírito que se eleva para muito além da mesquinhez do nosso tempo. Cadências que constroem massas sonoras, numa jornada de quase uma hora de sensações e experiências. Epifania de beleza num mundo ávido de aparências, celebração da grandeza de uma soma de talentos e capacidades – do passado, do presente, oxalá do futuro. E o corpo relaxa, a mente se desanuvia, e o espírito se revigora para os embates que logo hão de recomeçar.

Bendita herança de uma humanidade mais humana! Bendita arte que traz vida ao mundo! Que outros possam partilhar de teus mistérios…

Leandro Ciccone
maio de 2023