Podridões imprevistas surgem à espreita Brotando das trevas nas esquinas da vida.
Sórdidos seres armam emboscadas Impondo sobre nós suas mãos viscosas – suas invejas reprimidas, suas taras frustradas, seus delírios esquizofrênicos, suas raivas inexplicadas.
Fétidas cloacas a despejar seu lodo Em palavras jorradas de suas bocas torpes – esbravejadas em perorações biliosas ou sussurradas em boatarias sibilinas.
Pútridas emanações de asco e pestilência A erguer-se dos monturos da maledicência Despejando suas intrigas e mentiras infectas Sobre nossas vidas – visando nossas almas.
Que todos os deuses e virtudes deles nos protejam Que a água corrente e o sol luminoso deles nos purifiquem Que a percepção e a razão deles nos afastem
E que esses seres nefastos sejam prisioneiros de suas profundezas sombrias. Podridão moral é tipo grave de degradação Sem tolerância ou diálogo – nem compreensão.
Quando enfim percebi que te amava Tive o susto das grandes surpresas E a adrenalina dos grandes perigos. Duvidei ainda, inquieto, temeroso, Tentando racionalizar o inexplicável Procurando escapar do imponderável.
Mas nada pude. E então tudo aceitei: Derrota, angústia, fragilidade, euforia…
E a mim mesmo prometi Seguir ao teu lado, amparando teus passos Acompanhar teus caminhos, apoiando teus sonhos Combater teus monstros, enfrentando teus medos Afastar tua tristeza, ouvindo tuas queixas Corrigir teus rumos, apontando teus erros Amparar tua vontade, renovando tuas forças…
E tantas coisas mais fui prometendo a mim mesmo A cada conversa, a cada momento que passamos juntos Que logo percebi o quanto havias mudado em mim Que minha energia, meu tempo, minha vida Nada mais me pertencia Sem que também me pertencesses Sem que talvez nem percebesses Esse amor que me inspiravas.
Mas a dúvida foi incapaz de romper o afeto. Segui contigo, arrebatado, decidido Esperando que pudesses descobrir um dia Que também me amavas e nem sabias…
Quão cruel pode ser a angústia Dessa percepção falha da oportunidade; Do momento de insistir ou desistir Da incerteza de esperar ou aceitar; Tempo de decidir cada passo sob o sol.
Quão ansiosa pode ser a busca Dessa convicção fugidia do afeto; Do carinho de lembrança efêmera Do descaso de memória longeva; Tempo de incertezas perenes sob o sol.
Quão breve pode ser o equilíbrio Dessa disparidade de anseios numa alma; Do ímpeto de amar ou abandonar Da demanda por sonhar ou esquecer; Tempo de sofrer em oculto sob o sol.
Comovente esperança vã Da velha que ainda tece Com olhos baços e dedos ossudos O véu nupcial das bodas que jamais virão…
Mais uma semana desgastante chega ao fim. Energias drenadas no choque diário com as insanidades (e mediocridades, e hostilidades, e falsidades) de um mundo cada vez mais sombrio. Hora do corpo e da mente exaustos se acomodarem na poltrona da sala de concertos. Uma vez mais.
A primeira peça do programa em nada resgata a paz de espírito. No palco, as dissonâncias de uma modernidade que se pretende inovadora sendo apenas inepta; na plateia, o cerco por aqueles que transformam um espaço de cultura num evento social. Nas poltronas à frente, uma mãe entediada no celular e uma criança que se remexe o tempo todo; nas poltronas atrás, um pseudoentendido sussurra comentários ao amigo a cada breve intervalo entre movimentos. A melhor companhia é a senhorinha que cochila silenciosamente na poltrona ao lado. Cenário infernal, mas felizmente raro – azares de uma assinatura com assentos flexíveis… A sinfonia depois do intervalo é o verdadeiro motivo da vinda, e por ela se tolera o desconforto.
E então o milagre orquestral acontece outra vez. A sinfonia de um mestre nas mãos do regente e de dezenas de músicos, a celebração de um talento de século e meio, de uma época em que música era arte, não discurso. O lirismo das cordas, a leveza dos sopros, a grandiloquência dos metais; as notas que se sucedem, os movimentos que se conectam, e o espírito que se eleva para muito além da mesquinhez do nosso tempo. Cadências que constroem massas sonoras, numa jornada de quase uma hora de sensações e experiências. Epifania de beleza num mundo ávido de aparências, celebração da grandeza de uma soma de talentos e capacidades – do passado, do presente, oxalá do futuro. E o corpo relaxa, a mente se desanuvia, e o espírito se revigora para os embates que logo hão de recomeçar.
Bendita herança de uma humanidade mais humana! Bendita arte que traz vida ao mundo! Que outros possam partilhar de teus mistérios…